Central de Transplantes: há 10 anos transformando o luto em esperança

Central já realizou 268 transplantes, sendo 171 de córneas, 84 de rim e 14 de fígado (Foto: Júnior Aguiar/Sesacre)
Central já realizou 268 transplantes, sendo 171 de córneas, 84 de rim e 14 de fígado (Foto: Júnior Aguiar/Sesacre)

A Central de Transplantes do Acre completa 10 anos de atuação. Ao longo desse período, muitos avanços foram conquistados com o apoio do governo do Estado, entre eles o aumento no número de transplantes. Porém, ainda há muito a fazer, mas, para isso, a central depende de um fator essencial: a autorização de doação de órgãos por parte dos familiares.

“Se qualquer cidadão desejar ser doador de órgão, ele precisa deixar isso claro para os familiares e/ou amigos. Não adianta deixar por escrito, porque quem irá autorizar ou negar serão os familiares, por isso é importante ter essa conversa com a família”, esclarece a coordenadora da Central de Transplantes do Estado, Regiane Ferrari.

Baixa taxa de doação de órgãos

Ao longo desses 10 anos, o Acre já realizou 270 transplantes, sendo 172 de córneas, 84 de rim e 14 de fígado.

Contudo, esse número poderia ser maior, tendo em vista que um levantamento feito pela instituição aponta que o Estado registra um baixo índice de doações de órgãos.

As investigações realizadas pela central apontam que a baixa ocorre pelos seguintes fatores, em geral: falta de informação dos familiares, questões religiosas e medo, por se tratar de um assunto tão complexo em um momento de dor para os familiares.

Médico diz que a Central trouxe benefícios para pacientes e para o Complexo Hospitalar (Foto: Júnior Aguiar/Sesacre)
Médico diz que a Central trouxe benefícios para pacientes e para o Complexo Hospitalar (Foto: Júnior Aguiar/Sesacre)

Para difundir e conscientizar a população sobre a importância da doação de órgãos, a instituição conta com o apoio de um quadro de multiprofissionais que atuam desde a assistente social, incluindo os médicos que irão realizar o transplante.

“Procuramos ao máximo conscientizar a sociedade sobre a importância da doação de órgãos e tecidos, promovendo campanhas, panfletagem, palestras e conversas com os familiares. Buscamos levar uma pessoa que foi beneficiada com um órgão ou algum familiar que realizou a doação para encontros e palestras, para que, assim, a população perceba que autorizando uma doação ela estará levando a esperança a outras famílias”, destacou Regiane Ferrari.

Uma década de lutas e conquistas

No Acre, a Central de Transplantes iniciou suas atividades no dia 23 de março de 2006, a princípio como um programa piloto.

Pouco tempo depois, tornou-se a Central Estadual de Transplantes. O Ministério da Saúde habilitou, então, o Hospital das Clinicas (HC) de Rio Branco para realizar transplantes de rim, fígado, córnea, pâncreas e conjugado de rim-pâncreas, conforme a portaria de n° 220.

A instituição faz parte de uma organização controlada e monitorada pelo Ministério da Saúde (MS), por meio do Sistema Nacional de Transplantes (SNT), instância responsável pelos transplantes de órgãos sólidos, tecidos (córneas) e células (medula) realizados no Brasil (decreto n° 2.268, de 30 de junho de 1997).

O objetivo da instituição é lutar pela vida das pessoas que aguardam na fila de espera para receber os órgãos que a central fiscaliza, atuando em todo o processo de doação e transplantes.

Além de receber as notificações de morte encefálica de todo o Estado e organizar a cadeia de procedimentos até a doação efetiva de um órgão, a Central Estadual de Transplantes fiscaliza e coordena as inscrições de receptores, órgãos e hospitais transplantadores, que são inseridos em um software do MS.

Havendo uma doação efetiva, a central faz a distribuição dos órgãos de acordo com os critérios estabelecidos pelo SNT.

A oportunidade de passar por um transplante no Acre reacendeu as esperanças de Antônio (Foto: Júnior Aguiar/Sesacre)
A oportunidade de passar por um transplante no Acre reacendeu as esperanças de Antônio (Foto: Júnior Aguiar/Sesacre)

O primeiro transplante

O primeiro transplante realizado no Estado, por uma equipe da rede pública de saúde, ocorreu no mesmo ano de criação da Central, em 2006, no HC.

O procedimento possibilitou que o paciente fosse atendido no Acre, sem necessitar deslocar-se para Tratamento Fora Domicilio (TFD).

O procedimento foi realizado com doador vivo com grau de parentesco (mãe/filho). O receptor foi o jovem Agleilson Melo de Freitas, que hoje reside na cidade de Cruzeiro do Sul.

A cirurgia foi ocorreu durante o período em que o médico Thadeu Moura coordenava a central.

Até hoje, ele é um dos profissionais que integra a equipe de médicos responsáveis por realizar os transplantes na unidade de saúde pública da capital.

“Com a chegada da Central de Transplante ao Estado, o ganho não foi apenas dos pacientes beneficiados com os novos órgãos, mas de todo o complexo hospitalar. Porque você está equipando todo o hospital com novos equipamentos, trazendo uma nova rotina, ganhando em qualidade e celeridade processo de doação e trazendo a esperança de volta àqueles que estavam desacreditados”, observou o médico.

O reacender da esperança e da vida

A consolidação das atividades promovidas pela central tem ajudado a devolver a esperança aos pacientes que aguardam na fila do transplante no Acre sem que haja a necessidade de deslocar-se para outros Estados, permitindo ao paciente estar próximo de seus familiares, com maior segurança e conforto aos pacientes.

Em 2005, o agricultor Antônio Silva foi diagnosticado com hepatite delta. Desde então, iniciou seu tratamento e aguardava por um transplante na fila de espera de um hospital de São Paulo.

“Fiquei aguardando por sete anos. Quando soube que surgiu a Central de Transplante aqui do Acre, em 2006, reacendeu a chama da esperança em mim e na minha família. Com a central aqui na cidade, senti mais tranquilidade e segurança, pois sabia que durante o processo eu iria estar ao lado da minha esposa e dos meus filhos”, conta Silva.

Em janeiro deste ano, surgiu um fígado compatível com Antônio Silva. Após ser acionado pela equipe da central, ele pôde realizar o transplante. “Hoje não sou apenas mais transplantado, também faço o trabalho de multiplicador, dou palestras e falo para as pessoas sobre a importância de ser um doador de órgãos”, revela o agricultor.

Órgãos de Bruno foram doados e salvaram a vida de cinco pessoas (foto: Arquivo Pessoal/Cedida)
Órgãos de Bruno foram doados e salvaram a vida de cinco pessoas (foto: Arquivo Pessoal/Cedida)

A vida continuando em outras vidas

No fim de novembro de 2015, o jovem Bruno, que residia em Capixaba, envolveu-se em um acidente de trânsito e precocemente perdeu a vida. Em meio à dor, os pais resolveram doar os órgãos para outras pessoas que aguardavam por um transplante na fila de espera.

“Quando fomos informados do falecimento do nosso filho, foi uma dor muito grande, pois nenhum pai ou mãe espera enterrar seus filhos, principalmente ainda tão jovem. Em casa nós sempre conversávamos a respeito de ser doador de órgãos, e o Bruno sempre falava: ‘Se um dia alguma coisa acontecer comigo, o que der para aproveitar pode aproveitar’. Por isso, decidimos tomar essa decisão no dia da morte dele”, relembra Valdir Miguel do Santos, pai do jovem.

Santos conta que, apesar da dor, o que mais motivou ele e a esposa a se manterem de cabeça erguida e seguirem firmes em frente, após a perda de Bruno, foi saber que outras cinco pessoas renasceram.

“Estão vivas graças à doação dos órgãos do Bruno. Nós temos a certeza de que cada uma dessas pessoas está dando continuidade aos seus projetos de vida e também à vida do nosso filho, carregando dentro de si a mesma vontade de viver que meu filho tinha”, comenta Valdir Santos.

Processo para captação

O processo de doação de órgãos é realizado por meio das notificações que a Central de Transplante recebe de outros órgãos e instituições que trabalham nessa área. Os órgãos parceiros notificadores são: Instituto Médico Legal (IML), Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) e os próprios hospitais.

A partir da notificação, inicia-se o processo de busca, indo ao IML, depois visitando a casa dos familiares e finalizando com o processo operatório nas salas cirúrgicas do hospital.

“Quando somos notificados, por meio dos nossos parceiros, a primeira ação é ir ao encontro dos familiares da vítima, para realizarmos uma conversa explicativa a respeito da doação de órgãos e saber se os familiares têm algum conhecimento se a vítima era doadora ou não. A partir dessa conversa, nasce a decisão que pode trazer vida nova às pessoas que aguardam na fila por um transplante”, diz Regiane Ferrari.

O trabalho da Central conta com o apoio de especialistas como os médicos Tércio Genzini, Nathalia Moreno e Jarine Nasserala.

O “sim” para a doação é o que move a equipe da central, de acordo com a coordenadora. “O trabalho compensa, pois vemos os resultados: a esperança no olhar de quem recebeu o transplante e a felicidade de quem doou”, conclui Regiane Ferrari.

O “sim” para a doação é o que move a equipe (foto: Júnior Aguiar/Sesacre)
O “sim” para a doação é o que move a equipe (Foto: Júnior Aguiar/Sesacre)